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sábado, 26 de outubro de 2013

ENTREVISTA CONCEDIDA AO BLOGUE DO TEX

1 - Para começar, fale um pouco de si. Onde e quando nasceu? O que faz profissionalmente?
Chamo-me Sérgio Madeira de Sousa, sou casado e tenho um filho, nasci em 1967 numa pequena aldeia do concelho de Aljustrel, chamada Jungeiros. Vivi nesta pequena aldeia do baixo Alentejo até aos 19 anos, altura em que fui viver para o Barreiro até cumprir serviço militar obrigatório aos 21 anos. Cumpri “tropa” na Marinha, onde optei por ficar até hoje com 40 anos e onde pretendo terminar a minha vida activa daqui a muitos longos anos, obviamente.

2 - Quando é que teve início esta paixão pela Banda Desenhada, em especial pelo Tex?
A paixão pela BD começou muito cedo, muito antes de aprender a ler. Quando tinha seis ou sete anos, já tinha contacto com as revistas graças a um tio meu, que tinha como passatempo ler banda desenhada. Provavelmente herdei dele o gosto pela 9ª arte. Assim que aprendi a ler, lia todas as revistas que apanhava, de todos os gêneros  não era nada selectivo e o engraçado é que sempre fui muito cuidadoso com as revistas, cuidadoso demais para quem tinha tão tenra idade. Já nesta idade apresentava indícios de coleccionador sem dúvida. O primeiro contacto com Tex foi mais tarde; já adolescente com doze ou treze anos. 
Passo a descreve-lo como o fiz na peça intitulada: "O principio" … Um dia, pego num lote de revistas e empresto a um rapaz três ou quatro anos mais velho do que eu, ele mostra-me as revistas que possuía para escolher e lá estava:  Aquela revista destacava-se; Não enquadrava em nenhum dos formatos que eu conhecia, pouco maior que o formato do Falcão e muito 
menor que o formato do Mundo de Aventuras e com muito mais páginas. Chamou-me imediatamente à atenção, cheio de curiosidade folheei avidamente a revista ignorando 
Vinheta de: Tex, assalto ao trem
completamente as restantes, fiquei fascinado com os desenhos, muito fotográficos mas com uma enorme sensação de movimento, quase cinematográficos, é assim que defino os desenhos do mestre Ticci, para mim, o ainda melhor desenhador de Tex, apesar de já estar em declínio. Li e reli a revista com enorme prazer, apreciando cada prancha e também o argumento de G.L. Bonelli, argumento fantástico, cheio de acção e movimento, ainda hoje umas das histórias que mais aprecio, não sei se pela qualidade, se por ter sido a primeira. É verdade que esta primeira leitura influenciou o meu gosto, naquelas que eu considero as melhores histórias está quase sempre o traço de Ticci, …A história chamava-se: “Assalto ao trem”, o nº 71 da 1ª edição. A partir deste dia cresceu uma enorme vontade de mais e mais, esta sensação é semelhante à fome, uma vez satisfeita apenas acalma temporariamente, pois volta sempre…
Foi assim o meu primeiro contacto com Tex: inesquecível!

3 - Porquê o Tex e não outra personagem?
R: Esta é uma pergunta que tenho muita dificuldade em responder. Gosto muito de Banda desenhada e durante parte da minha vida comprei vários tipos de revistas: Super heróis, disney, western, enfim, vários géneros e inúmeros personagens. Mas quando tive de reduzir devido aos custos, apenas sobrou Tex. Porquê? Talvez a qualidade e o tamanho das histórias. Tex era a única revista em Portugal que apresentava histórias muito complexas, as outras revistas tinham no máximo 64 páginas e por vezes apresentavam mais do que uma história. Na altura Zagor e Mister No não eram distribuídos em Portugal, talvez essa tenha sido outra das razões porque optei por Tex. Desconhecimento de outros personagens Bonelli.

4 - O que Tex representa para si?
Tex faz parte de mim. Como todos nós sabemos, somos o acumulado de experiências vividas ao longo da nossa vida. Tex teve uma grande influência sobre mim, numa fase muito importante na vida de qualquer pessoa: A adolescência! Quando estamos a crescer somos altamente influenciados pelo que nos rodeia e nesta fase da minha vida, passei muitas horas a ler BD, especialmente Tex. Assim, considero que o personagem muito contribuiu para a minha formação como pessoa, os meus valores, a minha forma de estar e de reagir perante as situações. Tex é também uma agradável forma de entretimento e cultura, que me propicia horas de prazer. È um passatempo óptimo para combater o stress do dia a dia, sem contra indicações.

5 - Qual o total de revistas de Tex que você tem na sua colecção? E qual a mais importante para si?
Colecciono todas as colecções que saíram no Brasil desde o Nº1. Reportando à numeração actual em Portugal, possuo todas as colecções completas com excepção da 1ª e 2ª edições, das quais me faltam cerca de 110 exemplares. Contabilizo assim cerca de 750 exemplares brasileiros, aos quais adiciono cerca de uma dúzia de exemplares italianos. É difícil apontar a mais importante. Se a ideia é completar todas as colecções, então todas as revistas são importantes, pois a falta de uma delas impede o cumprimento do objectivo. Apesar do que referi não posso deixar de salientar duas revistas:
Tex Nº 71 (1ªEd.), Assalto ao trem. A história que me deu a conhecer este personagem e que desenvolveu a paixão que me assola até hoje, passados cerca de 20 anos.
Tex Nº 100 (1ªEd.), Aventura em Utah. A revista com que iniciei a minha já longa colecção.
A terceira revista mais importante não posso indicá-la de momento, será aquela que me permitirá afirmar que tenho todas as colecções completas.

6 - Colecciona apenas livros ou tudo o que diga respeita à personagem?
A ideia como já referi é completar todas as colecções que saíram no Brasil desde 1971. Conseguir todas as revistas é quase uma obsessão, uma vez que várias colecções são repetições, apesar disso faço questão de adquiri-las. Gostaria muito de conseguir tudo o que diz respeito ao personagem, principalmente as edições italianas. Como seria extremamente difícil e dispendioso consegui-lo, prefiro concentrar-me num objectivo realista – conseguir todas as edições brasileiras, do que dispersar os meus recursos e tentar adquirir tudo e não conseguir completar nada. Além das revistas Tex, também colecciono tudo o que saiu no Brasil de Zagor e Mister No. Não faço questão de adquirir outros objectos relacionados com o personagem, no entanto, possuo os brindes que acompanham as revistas como o porta-chaves ou a revista poster e gostaria muito de adquirir o poster das 400 capas.

7 - Qual a sua história favorita? E qual o desenhador de Tex que mais aprecia? E o argumentista?
Existem inúmeras e excelentes histórias na saga Texiana. Apesar desse facto considero que existe uma história que supera todas as outras. A 3ª história desenhada por Ticci, intitulada “A cruz trágica”, publicada no Brasil pela primeira vez nos números 50, 51 e 52 do Tex mensal. Esta história além de possuir um argumento muito bem conseguido, muito movimentado e repleto de dificuldades para os nossos heróis, apresenta um Ticci, que apesar de estar no inicio, consegue nesta história desenhos assombrosos, desenhando como só ele sabe, as paisagens fantásticas das florestas do Canadá. A existir a transposição do personagem para o cinema, sem dúvida que esta seria uma das histórias que geraria mais consenso entre os fãs. Posso indicar outras igualmente excelentes: A grande intriga (Tex 107 a 110) [1], Missão em Great Falls (Tex 131 a 134) [1], O solitário do Oeste (Tex 163 a 165) [1], A grande ameaça (Tex 182, 183) [1] e O assassino sem rosto (Tex 193 a 195) [1]. Aproveito para colocar uma questão à Mythos: Com todas as histórias que têm sido republicadas, como é que é possível que as 4 últimas histórias só tenham sido publicadas uma vez? Será que estas histórias são de qualidade inferior às que foram publicadas em Tex Ouro, Especial de férias ou no Almanaque?
Prancha de Giovanni Ticci
Como desenhadores preferidos não consigo apontar apenas um. Gosto muito do trabalho do Ticci da 1ª e 2ª fase, penso que ele tinha um traço limpo, bastante detalhado, e conseguia impregnar os seus desenhos de uma sensação de movimento, que não está ao alcance de outros desenhadores consagrados. Civitelli por exemplo: As vinhetas de Civitelli parecem fotografias, falta-lhe no entanto essa sensação de movimento que leva os desenhadores para um patamar superior. Actualmente o traço de Ticci está a perder qualidade, no entanto ainda entra no meu top5, conjuntamente com: Galep, Della Monica, Irmãos Cestaro e Repetto. Quanto ao Repetto: Confesso que fiquei algo desiludido ao saber através da entrevista que concedeu ao Blog, que os cenários que ambientam as suas vinhetas, não são de sua autoria, mas sim de um assistente. Penso que os cenários são parte importante do trabalho de um desenhador e deveria se dar o crédito a esse assistente, uma vez que o seu trabalho é fantástico e muito contribui para a qualidade do trabalho apresentado pelo Repetto. E se o assistente decide trabalhar sozinho? Será que não daria um óptimo desenhador de Tex? È provável que à medida que 
Prancha de Miguel Angel Repetto
vou conhecendo o trabalho dos novos desenhadores tenha de refazer o meu top5, pelo pouco que vi do trabalho dos 15 novos desenhadores, alguns deles têm muito potencial. Recordo-me especialmente de Marco Torricelli, de quem disse que tinha todas as qualidades para se tornar um dos melhores desenhadores de Tex. Além destes existem outros igualmente muito bons que deixei fora, como Nicolò ou Lettèri, os quais muito contribuíram para o sucesso do personagem naquela que eu considero a melhor fase, (1966 a 1983). Os argumentos a cargo de G.L. Bonelli e Guido Nolitta e desenhos de Galep, Fusco, Ticci, Lettèri e Nicolò.
Quanto a argumentistas não tenho dúvidas: Guido Nolitta. Simplesmente insuperável. Compro qualquer personagem que seja escrito por ele. Além do seu trabalho em Tex também conheço em Zagor, Mister No e Estrela Negra. Só é pena que devido aos seus afazeres editoriais não disponha de tempo para escrever, gostaria muito de ler um Texone escrito por ele e desenhado por Ferri. Ao ler o planeamento editorial da SBE para 2008, observei com satisfação que o Sérgio vai escrever algumas das histórias do ano. Não é um Texone, mas não deixa de ser uma excelente noticia.

8 - O que lhe agrada mais em Tex? E o que lhe agrada menos?
Esta é outra pergunta que tenho dificuldade em responder. O que me agrada no personagem é a sua postura, a total disposição para ajudar amigos e necessitados e a capacidade que possui para enfrentar as mais complexas situações. O que me agrada mais na revista: Os argumentos longos e complexos. É quase como estar a “ler” um filme. O que me agrada menos no personagem é ser pouco introspectivo. Raramente acompanhamos os seus pensamentos, as suas preocupações ou deduções. Quanto ao que me agrada menos na revista: O formato! Estou a referir-me à edição brasileira. Preferia o formato italiano com capa cartonada.

9 - Em sua opinião o que faz de Tex o ícone que é?
São vários os factores que contribuíram para o sucesso do personagem ao longo de quase seis décadas.
- A qualidade dos argumentos. Tex sempre teve bons argumentistas, G.L. Bonelli, Cláudio Nizzi, Nolitta, Segura e Boselli. Todos eles excelentes contadores de histórias. Nos últimos anos tenho sido bastante crítico em relação a Nizzi, mas se analisarmos o seu trabalho, verificamos que é o escritor principal da série desde Julho de 1983, (Tex it. Nº273 Intriga diabólica). 25 Anos a carregar o “fardo” de substituir o também chamado patriarca dos quadradinhos italianos, GL Bonelli. Todos concordam que é necessário ser um grande escritor para consegui-lo. Apesar de Bonelli continuar a escrever até 1991, a maior parte das histórias nesse período, foram da autoria de Nizzi. Estes dois escritores são responsáveis por cerca de 80% de todas as histórias do personagem e muito contribuíram para manter a “fórmula” do sucesso, desde a criação do personagem até aos dias de hoje.
- A inexistência de limite de páginas por história. Este é um aspecto muito importante! Dar liberdade ao escritor para escrever. A história desenrola-se consoante a inspiração, sem obrigação da apresentar a conclusão na página x. Por questões que desconheço, actualmente as histórias têm de ter 220 ou 330 páginas, excluindo algumas excepções, restringe-se assim a capacidade criativa do escritor e elimina-se um dos factores que em minha opinião fizeram de Tex, aquilo que é hoje. Se as histórias têm de terminar nas últimas páginas das revistas, o que concordo plenamente, então o nº de páginas das revistas é que têm de variar para se adaptar ás histórias e não o contrário.
- O tratamento preferencial dado pela família Bonelli ao longo das décadas, ao personagem. Tex é a principal revista da SBE. Nolitta concede-lhe um tratamento muito especial. As outras publicações da editora estão subordinadas a Tex, argumentistas e desenhadores da casa prestam provas nas outras publicações antes de serem admitidos no staff Texiano. Além de esta forma de admissão, ainda existe outro processo de selecção: O Texone – Artistas de renome são convidados para fazerem uma interpretação do Ranger e se forem aprovados, então sim, são convidados a fazerem parte da equipa permanente. Quantos outros personagens têm estes critérios de selecção?

10 - Para concluir, como vê o futuro do Ranger?
Prancha de Marco Torricelli
A última remodelação do staff Texiano efectuada pelo editor Sérgio Bonelli, que permitiu a entrada de 15 novos desenhadores, alguns dos quais já viram os seus trabalhos publicados e também um novo argumentista – Tito Faraci, visou preparar o futuro de Tex, da editora, mas também, a curto médio prazo a saída de Nolitta.
Já o tinha escrito no texto intitulado: "Ventos de mudança", e estou plenamente convicto, que o principal objectivo da remodelação foi exactamente esse – preparar a editora e a sua principal revista, para a próxima década sem a sua liderança.
Apesar das novas tecnologias, (Internet, vídeo jogos e TV interactiva), constituírem formas de entretimento muito mais atractivas para os jovens, não nos podemos esquecer que, ler e coleccionar BD, ao contrário de há 20 anos atrás, é um passatempo para gerações mais velhas, (para cima dos 30 anos). Assim, a curto/médio prazo, com a remodelação efectuada, penso que estão garantidas as condições para manter o interesse dos actuais leitores e cativar novos leitores, “arrastados”, não pelo personagem, mas sim pelos novos artistas.
A médio/longo prazo, o futuro de Tex é incerto, tal como é incerto o futuro da BD. Com o passar dos anos é necessário que surjam novos leitores que substituam os actuais, é necessário criar hábitos de leitura e o gosto pela banda desenhada como forma de entretimento e cultura. Quer os pais, quer as escolas desempenharão um papel muito importante para se conseguir estes objectivos.
Para sobreviver aos tempos difíceis que se avizinham, as editoras terão de possuir capacidade de inovar e de adaptação às novas realidades, criando produtos mais apelativos e explorando novos mercados. Também neste aspecto me parece que a editora Bonelli continua a preparar o futuro, uma vez que continuam a aumentar o Nº de países onde a revista do Ranger é publicada, o último dos quais a Rússia, mercado com milhões de habitantes e muitas dezenas de milhar de potenciais leitores.

[1] - Edição brasileira


PS: Entrevista concedida ao blogue do Tex em 11 de Fevereiro de 2008

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