Ao anoitecer, em
plena floresta, Fraser, o renegado que liderou uma tribo de Apaches e massacrou
a população de Goldena, só para se vingar, procura desesperadamente escapar a
Tex Willer que pretende puni-lo pelos crimes cometidos. No meio do silencio da
floresta, ouve-se várias vezes a voz de Tex que procura aterrorizar o foragido:
“Aonde pensa que vai, Fraser?”, “A morte segue você, mas não tem pressa!”,
“Você só morrerá ao anoitecer, …”.
Fraser sente medo
antes de ser ferido e capturado por Tex, mas o verdadeiro terror sente após a
captura, quando o Ranger revela as
suas intenções: “Mate-me, Willer.” – Suplica Fraser. “Não. Mas vou fazer-lhe
um presente, Fraser.” – Responde Tex.
Tex devolve a Fraser o revolver com uma única bala e o abandona, no meio da floresta, ferido num braço e numa perna, sem se poder mover, e com uma terrível escolha para fazer.
Este é o final[1] de “Território Apache”! Um desfecho marcante, que deixa por revelar o destino do criminoso e que leva o leitor a imaginar o que poderá ter sucedido naquela noite: terá Fraser cometido suicídio ou terá sido devorado pelos lobos? Terá sido salvo por alguém de passagem? Passados mais de cinquenta anos desde a publicação desta aventura pela primeira vez continuamos sem o saber. Provavelmente nunca o saberemos, mas este tipo de final, aberto e não revelado, possibilita sempre o regresso dos vilões.
Outro final na mesma
linha, e muito bem conseguido, é a conclusão[2] de “O ouro do Colorado”!
Nesta aventura, Tex e os seus parceiros embarcam Gilas e dois sobreviventes do
bando que massacrou os habitantes de um Pueblo Navajo, numa canoa sem remos, num
trecho do rio Colorado bastante turbulento, com muitos rápidos e corredeiras, deixando
nas “mãos” do destino a punição dos três bandidos, sabendo, no entanto, que a
probabilidade de saírem do rio com vida era extremamente diminuta.
Uma das últimas
vinhetas da história mostra a canoa, com os três bandidos a bordo, a
desaparecer no rio turbulento, deixando à imaginação dos leitores o que o
destino lhe reservou. Destino, que tal como na aventura anterior, e até ao
momento, não foi revelado por nenhum dos escritores do personagem.
Além dos já
referidos acrescento o desfecho[3] de “Cão Amarelo”, em que
Tex após vencer, num duelo, o chefe dos índios Utes que liderou o ataque dos Utes
e Hualpais à reserva Navajo, corta-lhe o cabelo, humilhando-o desta forma, retirando-lhe
a honra e prestígio. A humilhação sofrida é uma pequena parte do castigo, a
principal punição é dada pela própria tribo que abandona o seu líder transformando-o
num pariá. Este desfecho é uma pequena variante dos anteriores, mas também é um
final aberto que não revela o sucedido com o chefe indígena[4].
A conclusão[5] de “O filho de Mefisto” é
um excelente exemplo deste tipo: traído por Yama, Thomas aceita ajudar Tex e os
seus pards a capturar o mago e a
sacerdotisa do Vudu, Loa. O que consegue com o auxílio da tripulação do veleiro!
No entanto, quando tudo apontava para uma conclusão tradicional em que os
heróis vencem e capturam os vilões, Gianluiggi Bonelli decide surpreender e
criar um desfecho grandioso e de acordo com a aventura: antes de entregar os
prisioneiros a Tex e seus pards, Thomas decide atirar ao mar todos os objetos
que Yama utilizava nas suas práticas de magia negra, e que o aterrorizavam, mas
assim que o primeiro artefacto toca na água, algo de sobrenatural ocorre! Quase
instantaneamente levanta-se uma violenta tempestade. Os fortes ventos e a
elevada agitação marítima quebram as amarras do veleiro e arrastam-no para o
alto-mar impedindo a entrega. Tex fica convencido que não voltará a ver Yama, mas
as últimas vinhetas deixam outras possibilidades em aberto ao revelarem a
história de um veleiro, com os mastros despedaçados, pilotado por uma figura
sinistra e que é visto apenas nas noites de tempestade.
A conclusão das histórias de forma a viabilizar o retorno dos vilões é muito interessante e por vezes origina novas aventuras, tão ou mais interessantes que as anteriores. As sagas de Mefisto, Yama, Proteus e o Tigre Negro são a prova e bons exemplos da utilização deste recurso.
E quando o autor decide
eliminar o vilão, excluindo, definitivamente, qualquer hipótese de retorno? Qual
o melhor desfecho nesta situação? Nestes casos prefiro a conclusão trágica, a
que surpreende os heróis e os próprios leitores! Neste tipo de desfecho
encontro três variantes que considero muito interessantes: o vilão coloca termo
à própria vida para escapar à punição; um evento trágico ocorre que impede a
captura dos vilões; a punição dos vilões é aplicada por personagens
secundários.
Relativamente à
conclusão em que o vilão comete suicídio, relembro dois desfechos, de duas
aventuras clássicas consideradas pela grande maioria dos fãs como das melhores
histórias do personagem: Marcus Parker, o poderoso e misterioso homem de
Flagstaff, que organizou um plano maquiavélico para se livrar de Tex Willer, e
expulsar os índios Navajos da reserva, e aceder dessa forma às jazidas de ouro
que existiam no território, é surpreendido, no seu escritório, pelos seus
inimigos e ex-cúmplices. Confrontado com as provas e percebendo o fim que o
esperava, Parker decide ser ele próprio a traçar o seu destino e, aproveitando
um momento de polidez dos seus inimigos, comete suicídio. Este é o final[6] de “A grande intriga”, aventura
toda ela fantástica, uma verdadeira obra prima, incluindo o desfecho, com um vilão
extramente poderoso e inteligente, ao ponto de conseguir que Tex seja condenado
a vinte anos de prisão na penitenciária de Vicksburg por um crime que não
cometeu, e com o autor a conseguir manter o suspense, sobre a identidade do
conspirador, ao longo de quinhentas páginas, só a revelando quando Parker é
surpreendido no seu escritório.
A intenção de Tex é
levá-lo para a prisão e vê-lo condenado à forca, no entanto, convencido por
Walcott - que sofre de uma doença incurável - que pretende a abertura de um
inquérito Federal para apurar toda a verdade, e reabilitar a memória dos seus
sobrinhos, deixa-se ludibriar, permitindo a Walcott ficar sozinho no escritório
e por termo à vida.
Quanto a conclusões
de aventuras em que algo ocorre que impede a captura, saliento duas aventuras,
também pertencentes à idade de ouro de Tex, e também consideradas das melhores
histórias de sempre pela grande maioria dos seus fãs: O desfecho[8] de “A noite dos
assassinos”, em que ao ser informado, por um cúmplice, que iria ser preso pelos
Guardas-rurais[9],
Nick Billing, o agente indígena dos índios Dakota, responsável pelo plano que
condenou toda a tribo à morte para se apossar das jazidas de ouro existentes na
reserva, tenta, desesperadamente, fugir num trenó puxado por cães, atravessando
um rio congelado. Apesar da fina camada de gelo e da hesitação dos cães em
prosseguir, Billing não hesita! Não aceita de modo nenhum ser capturado e força
os cães a avançar até ao inevitável: O gelo acaba por ceder “engolindo” o trenó
e o seu ocupante. Billing perde a vida, mas escapa à justiça dos homens.
Em “Vingança de
índia” a narrativa poderia ter sido concluída com a expulsão do coronel
Arlington, do exército, pela responsabilidade do massacre ocorrido na aldeia de
Alce-Preto. No entanto, e até para justificar o título da história, o autor
resolveu mostrar o que se passou seis meses após, quando Nashya, a única
sobrevivente do massacre, executa a impiedosa vingança: montada em Blanco, o
corcel que pertenceu ao seu marido, Shedar, morto na chacina efetuada pelo
exército, arrasta, furiosamente, o então civil Arlington até virar um farrapo
humano. As últimas vinhetas mostram a índia a pendurar um escalpo no leito onde
se encontram os restos mortais do seu marido. Um desfecho[11] duro, violento, marcante,
mas também inesquecível e pouco visto nas páginas de Tex.
São várias as
aventuras escritas por Nolitta que que poderia referir, mas fico-me apenas por duas,
cujos desfechos não vou descrever, mas cujas histórias desafio a ler para
apreciarem este tipo de conclusão, pouco tradicional, mas bastante realista: “Caçada
humana”, (Tex não consegue cumprir a promessa a Andy Wilson de ser julgado
justamente e não consegue evitar o seu trágico fim), e “O sinal de Cruzado”, (Tex
e Tigre falham completamente na missão de trazer de volta, à aldeia Navajo,
mais de uma dezena de jovens guerreiros que a haviam abandonado para se juntar
ao bando de Paiutes, liderado por Cruzado, nos roubos e assassinatos aos
colonos da região).
Seja aberto ou
fechado, o desenlace, conclusão, epilogo, fim do episódio ou como o queiramos
apelidar, deve ser um ponto marcante da narrativa, seja ele emotivo, trágico,
surpreendente, triste ou mesmo irónico. O mais importante é que, a forma como
se conclui, melhore a narrativa e transforme uma história menos conseguida,
numa aventura a recordar, e uma boa história, numa inesquecível, ou mesmo
obra-prima, o que em minha opinião, nas aventuras referidas, foi plenamente conseguido,
nas histórias clássicas de Tex era frequentemente atingido, e nas atuais
raramente acontece.
Nota Final:
Como se depreende da
leitura do texto, considero o desfecho uma parte muito importante da narrativa,
e para demonstrar, como a conclusão pode melhorar ou piorar, consideravelmente,
uma narrativa, vejamos o exemplo de “Vingança de índia”, que no Brasil, nas
versões publicadas pela editora Vecchi, foi truncado e mutilado em oito tiras.
Na versão original, descrita no texto e publicada em TEX COLEÇÃO e TEX ED.
HISTÓRICA, Nashya provoca a morte de Arlington de uma forma barbara, violenta e
sem piedade. Na versão publicada pela Vecchi, TEX Nº 2, e TEX 2ª ed. Nº 2,
Arlington é morto com uma pancada na cabeça na sequencia do assalto à
diligencia, num final simples, sem emoção, facilmente esquecível e claramente
pior que o original.
Na época as revistas
apresentavam publicidade nas suas páginas, e poderá ser essa a razão para os
cortes. Atualmente, as histórias do Tex são publicadas, na sua grande maioria,
em blocos múltiplos de 110 páginas - O que pode levar os argumentistas a não
incluir determinadas cenas, para encaixar as narrativas nos blocos. Essa
limitação, de ter de encaixar as narrativas nos blocos, poderá ter o mesmo
efeito que os cortes efetuados pela Vecchi, no final de “Vingança de índia”, e
ser uma das justificações para que os finais das histórias atuais sejam,
frequentemente, insípidos, esquecíveis, e que pouco acrescentam às narrativas.
Lista de Histórias de Tex italiano, e sua
correspondência no Brasil, ordenadas pela ordem de referência no texto:
·
Inferno a Rober City – TEX 108 - 109 (out-nov 69) – Texto: Gianluigi
Bonelli – Arte: Giovanni Ticci.
Território Apache - TEX 16; T2E 16; TXC 154-156; TEH 60.
·
Lòro del Colorado –
TEX 201-202 (jul-ago 77) - Texto: Gianluigi Bonelli – Arte: Giovanni Ticci.
O ouro do Colorado – TEX 129-130; T2E 129-130;
TXC 253-254; TEH 101.
·
Scacco
matto – TEX 233-236 (mar-jun80) - Texto: Gianluigi
Bonelli – Arte: Giovanni Ticci.
Cão Amarelo – TEX
152-154; TXC 285-288; TEH 115.
·
Oltre
il fiume – TEX 596-597
(jun-jul10) – Texto: Claudio Nizzi – Arte: José Ortiz.
Além do rio – TEX
498-499.
·
Il
figlio di Mefisto – TEX 125-128 (mar-jun71) - Texto: Gianluigi
Bonelli – Arte: Aurelio Galleppini.
O filho de Mefisto – TEX
101-103; T2E 101-103; TXC 174-177; TEH 67.
·
La
trappola – TEX 141-145
(jul-nov72) - Texto: Gianluigi Bonelli – Arte: Aurelio
Galleppini.
A grande intriga – TEX 107-110; TEX 2ED 107-110; TXC 193-198;
TEH 73-74; SAT 01.
·
Gli
avvoltoi – TEX 297-299
(jul-set85) - Texto: Claudio Nizzi – Arte: Giovanni Ticci.
Chamas
de guerra – TEX 204-206; TXC 350-352; TXO 04.
·
La
fine dei comancheros – TEX 166-168
(ago-out74) - Texto: Gianluigi
Bonelli – Arte: Giovanni Ticci.
A noite dos assassinos – TEX 58; TEX 2ED 58; TXC 218-220; TEH 84; TEF 01.
·
L`
ultimo poker – TEX 151-154 (mai-ago73)
- Texto: Gianluigi Bonelli –
Arte: Guglielmo Letteri.
Mescaleros – TEX 62-64; TEX 2ED 62-64; TXC 203-206; TEH 77.
·
Vendetta
indiana – TEX 91 (mai68) - Texto:
Gianluigi Bonelli – Arte: Giovanni Ticci.
Vingança
de índia – TEX 02; TEX 2E 02; TXC 135-136; TEH 52; SAT 02
·
La
casa sul fiume – TEX 209-210 (mar-abr78) – Texto: Gianluigi
Bonelli – Arte: Erio Nicoló.
Sul profundo – TEX 138-139; TEX
2E 137-138; TXC 261-262; TEH 104.
·
Caccia
all uomo – TEX 183-185 (jan-mar76) – Texto:Guido Nolitta –
Arte: Ferdinando Fusco.
Caçada humana
– TEX 68-69; TEX 2ED 68-69; TXC 235-237; TEH 99.
·
I quattro
evasi –
TEX 242-245 (dez80-mar81) - Texto:Guido Nolitta – Arte: Aurelio Galleppini.
O sinal de Cruzado – TEX 157-159; TXC 294-297; TEE A marca de
Cruzado.
·
El Muerto - TEX 190-191 (ago-set76) – Texto: Gianluigi Bonelli – Arte: Aurelio Galleppini.
Em Muerto – TEX 112; TEX 2E 112;
TXC 242-243; TEH 96; ESB.
LEGENDA:
·
T2E – Tex 2ª Edição
·
TXC – Tex Coleção
·
TEH – Tex Edição
Histórica
·
SAT – Superalmanaque
Tex
·
TXO – Tex Ouro
·
TEF – Tex Especial
Férias
·
TEE – Tex Edição
Especial
·
ESB – Especial
Sergio Bonelli
[1]
TEX 2ª Ed. Nº 16 – Território Apache.
[2]
TEX 1ª Ed. Nº 130 – Grande Canyon.
[3]
TEX 1ª Ed. Nº 154 – O circulo de sangue.
[4]
Contrariamente às histórias anteriores,
“Cão Amarelo” teve continuação muitos anos depois, na aventura intitulada “Além
do rio” de autoria de Cláudio Nizzi (TEX 1ª ED. Nº 498 – Além do rio e
TEX 1ª ED. Nº 499 – A ponte de pedra).
[6]
TEX 1ª ED. Nº 110 – A sombra do patíbulo.
[7]
TEX 1ª ED. Nº 206 – Fuga de Anderville.
[8]
TEX 2ª ED. Nº 58 – A noite dos assassinos.
[9]
Expressão que caiu em desuso, atualmente utiliza-se “Rangers”.
[10]
TEX 2ª ED. Nº 64 – Os sinos dobram por Lucero.
[11]
TEX ED. HISTÓRICA Nº 52 - Vingança selvagem.
[12] TEX 1ª ED. Nº 139 – Linchamento.
PS: Texto publicado na revista Clube Tex Portugal Nº 18 em julho de 2023