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quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

AUDÁCIA EDITORIAL OU LOUCURA EMPRESARIAL?

Com o anunciado regresso dos personagens Dylan Dog (DD), Martin Mystiere (MM), Nick Raider (NR) e Nathan Never (NN) às bancas brasileiras previsto para o final de Inverno, início de Primavera, 2018 prepara-se para ser um ano magnifico para os apreciadores da banda desenhada, especialmente para os fãs da gama Bonelli. Além dos aguardados regressos, a destacar o lançamento de várias edições especiais de Tex, (originadas pelos 70 anos do personagem), e a manutenção de todas as coleções da gama com exceção do TEX EM CORES (TC), que foi cancelado[1]. Adicionalmente, em concorrência com as publicações da Mythos, teremos o fantástico TEX GOLD da Salvat. O elevado número de publicações previsto para 2018 torna o Brasil no segundo maior mercado Bonelli, somente suplantado pela Itália, facto surpreendente tendo em conta que o país continua a atravessar uma grave crise económica, financeira e politica!

As novas publicações apresentar-se-ão no formato Bonelli, com histórias completas e selecionadas, pelo que se deduz, sem respeito pela cronologia. Todos sabemos que existem colecionadores que não apreciam histórias em continuação, pelo que as opções da Mythos por histórias completas e selecionadas são perfeitamente compreensíveis, ainda mais justificadas pelo elevado número de aventuras, disponíveis, que continuam inéditas no Brasil.

No entanto, atendendo ao elevado número de publicações prevista para 2018, à grave crise que afeta o povo brasileiro, à concorrência provocada pela Salvat, com o excelente TEX GOLD que além da excelente qualidade acrescenta um ótimo preço, poderão estas publicações ter sucesso?


E a seleção de personagens? Serão estes os mais adequados para lançar? Porque não Mister No ou, a excelente série, A HISTÓRIA DO OESTE?  Quais os critérios de seleção dos personagens a publicar?

O formato italiano e o numero de páginas por edição são outras questões pertinentes! Muitos leitores demonstram a preferência por este formato e, verdade seja dita, a editora já tentou, sem sucesso, implementa-lo[2] nas suas publicações. Porque é que esta tentativa há de ser diferente?

Mais grave, será que estes lançamentos não colocarão em causa publicações como ZAGOR, ZAGOR ESPECIAL (ZE) ou JÚLIA que em 2013 foram alvo de alterações, à forma como se apresentam, para se manterem nas bancas?

As intenções da Mythos são muito ambiciosas e louváveis, mas, aparentemente, a tomada de decisão é mais ditada pelo coração do que pela razão, senão vejamos:


Em 2012, em entrevista realizada por Pedro Cleto publicada no blogue do Tex, Dorival Vitor Lopes (DVL) confidenciou que os títulos da editora que menos vendiam eram ZAGOR, MÁGICO VENTO (MV) e JÚLIA, que as vendas destes personagens tinham estabilizado, e que publicar revistas no formato original italiano significaria aumentar muito o preço de capa. Se considerarmos que nestes últimos 6 anos a conjuntura económica brasileira piorou drasticamente, que DD, MM, NR e NN já foram publicados no Brasil[3] e que foram cancelados, pressupõe-se, por venderem menos que Zagor, MV e Júlia[4], que razões é que levam a editora a acreditar que é possível lançar, com sucesso, as 4 publicações em formato italiano, em datas tão próximas[5]?

O próprio editor da Mythos reconhece que os colecionadores exigem todo o tipo de coleções, mas na altura de comprar encontram mil e uma desculpas para não o fazer[6]. O formato, o preço, o papel, por não ser colorido, por ser colorido, por não respeitar a cronologia, etc.


Em agosto de 2013 a Mythos procedeu a modificações nas coleções de Zagor e Júlia, dobrando o numero de páginas por edição e o preço, e alterando a periodicidade para bimestral. Alterações que visavam adaptar/melhorar o sistema de distribuição, recolhimento e pagamento das revistas, com o objetivo de melhorar a rentabilidade das mesmas. Considerando que estas alterações visavam as publicações menos rentáveis, e que as novas publicações a lançar em 2018 vendiam menos, quando publicadas, que ZAGOR, ZE e JÚLIA, e que por este motivo foram canceladas, não seria mais adequado implementar essas alterações nas novas publicações?


Em Março de 2016 a Mythos dirigiu-se aos fãs, num comunicado intitulado “O futuro de Tex e demais personagens Bonelli no Brasil”, demonstrando grande preocupação com as suas publicações. No comunicado, DVL informava que ZAGOR, JÚLIA E TEX COLEÇÃO (TXC) tinham entrado no vermelho, isto é, tinham começado a dar prejuízo juntamente com TC e TEX GIGANTE COLORIDO e transmitia a ideia de que o futuro das publicações estava nas mãos dos colecionadores o que gerou uma onda de comentários:

 “…. Realmente com a crise que afeta o nosso país (Brasil) eu mesmo de um ano para cá passei a comprar apenas o Tex mensal e algumas poucas outras edições, como por exemplo Tex Ouro, Tex Gigante. …”[7]

“Como sugestão eu digo que os repetecos com cara de encalhe com capa nova não irão atrair novos leitores. Por isso acho que deveria enxugar o número de edições no mercado. ...”[8]

“…. Se a editora pensar logicamente, pensando em lucrar e se sustentar no mercado sem trabalhar no vermelho, precisa rever algumas coisas. Precisa se organizar.  Antes de mais nada deve reduzir a quantidade de “coleções” de Tex que está indo pra banca. …”[9]

Eu tenho comprado regularmente tudo que a Mythos publica de nosso Tex – sou fã e colecionador há mais de 30 anos. Mas confesso que tenho enfrentado muita dificuldade para continuar. …”[10]

“.... Reduzir o numero de títulos e publicar só historias inéditas é uma forma de aumentar as vendas de cada um. Perante o cenário manifestado, talvez seja a única forma da manutenção, de, pelo menos, alguns títulos.”[11]

As sugestões e criticas são muito variadas, mas há uma critica que se destaca pela quantidade: excesso de publicações à venda! Como se pode observar pelos comentários já apresentados e que continuam:

“… diminuir a quantidade de repetecos, estamos vivendo uma época de crise, isto é um fato e os leitores não tem condições de adquirir todas as edições que saem nas bancas, …”[12]


“…. Eu acho que existe muito repetecos em Tex, … Como disse o Everton a editora tem que pensar na sua própria sobrevivência, vai ter repensar. Me desculpe ai, mas não entendi o porquê deste Tex Platinum, para mim totalmente desnecessário este lançamento, … Só porque tem um acabamento melhor? Isso não, dinheiro não dá em árvore.”[13]

“Sou colecionador há mais de 25 anos. Tenho 14.000 revistas em minha coleção (de tudo que é estilo). Acho que a Mythos sobrecarregou o mercado com títulos Tex. Isso pode ser bom pra pessoas que podem comprar tudo, mas não é nada salutar para um mercado em crise como o brasileiro.  Reduzam para o essencial.”[14]

“Disse, quando não vende cancela, muitos inclusive o Editor foram contra, o que fazer então se uma revista não está vendendo, a Editora vai bancar os prejuízos pra agradar os leitores?  Os que não querem as suas revistas canceladas vão pagar um preço 10 vezes a mais pra manter as revistas em banca? Sou contra pagar esses preços exorbitantes nessas revistas, …”[15]

Estes são alguns dos variados comentários de colecionadores que pensam que existem demasiadas coleções de reedições, eu próprio me identifico com essa posição “…. Em minha opinião existem demasiadas coleções de reedições em publicação, muitas delas sem qualidade, reduzindo as vendas de todas porque dividem os poucos colecionadores na hora de comprar, porque são raros os que compram tudo.”[16]

O editor percebeu que uma das sugestões dadas pelos colecionadores era a redução das publicações existentes “…. Nos comentários acima, nota-se que quase todos defendem as coleções que fazem: “Nas minhas vocês não devem mexer, nas outras que eu não compro, pode.””

O que é um facto! Grande parte dos leitores não se importa com o cancelamento de determinadas séries, as que não coleciona! O editor argumenta: “…Como editor eu tenho que pensar em TODOS os leitores. … As republicações – que muitos criticam – são importantes para os leitores novos. …”

Sem dúvida, as republicações são importantes e devem existir, mas não podem, por serem demasiadas e por concorrerem entre elas, colocar em causa a existência de todas. Como referiu Pedro Pereira “…. Diz-se que por vezes é preciso cortar uma mão para salvar um braço e talvez seja isso que há a fazer: reduzir o número de publicações!...”.


Confesso que não compreendo as opções da Mythos! Não as percebi quando lançou TC e manteve OS GRANDES CLÁSSICOS TEX (OGCT)[17] em concorrência direta. Não compreendo o excesso de republicações que dividem as vendas, esmagam as margens de lucro e colocam em causa, porventura, ZAGOR, ZE e JÙLIA, as publicações que menos vendem. Não compreendo que em época de grave crise se lancem, praticamente em simultâneo e sem ter conhecimento das vendas de cada, quatro personagens que quando publicados pela mesma editora[18], vendiam menos que qualquer um dos atualmente publicados. Não compreendo que não se faça uma sondagem aos leitores/compradores sobre os personagens que gostariam/comprariam[19]. E não compreendo que as medidas adotadas para rentabilizar ZAGOR, ZE E JÚLIA, mais precisamente, edições bimestrais e 200 páginas por edição não sejam utilizadas nas novas publicações.


É verdade que o lançamento de qualquer publicação, de qualquer personagem, tem riscos! E também é verdade que o publico em geral não têm acesso aos dados que possibilitaram a tomada de decisão. Todavia, a difícil conjuntura que o Brasil atravessa, a concorrência movida pelo TEX GOLD da Salvat, o excesso de publicações Bonelli nas bancas, os poucos leitores que os novos personagens têm no Brasil, e o ritmo acelerado com que as novas publicações vão entrar nas bancas, leva-me a perspetivar que as novas coleções terão uma vida editorial muito curta, e que a tomada de decisão para os respetivos lançamentos, aparenta ter, mais de "loucura" empresarial do que audácia editorial.

NOTAS FINAIS:

Nota 1: mais do que criticar a Mythos e seus responsáveis, que considero pessoas muito competentes, com larga experiencia na área, aos quais a BD e os colecionadores muito devem, pretendo expressar a minha opinião, e se à algo que a Mythos não pode ser acusada é de falta de coragem ao lançar 4 coleções na atual situação.

Nota 2: relativamente às novas publicações, apenas tenciono comprar MM que, em minha opinião, juntamente com DD, são as únicas que têm algumas probabilidades de sucesso. A publicação de NN é a menos compreensível, sinceramente acredito que será cancelada antes do quarto numero e que Mister No ou A HISTÓRIA DO OESTE teriam maiores probabilidades de sucesso. Do material mais recente da SBE gostaria que a Mythos publicasse “Le Storie”, aventuras fechadas e diversificadas.

Nota 3: Não sou contra republicações! Sou contra republicações que dão prejuízo e que colocam em causa outras publicações pela divisão dos colecionadores na altura da compra. Se a coleção dá lucro então deve manter-se. Até 2016 comprava todas as publicações da Mythos da gama Bonelli com exceção de JÚLIA. Parei de comprar TXC, TEX OURO E TEX EDIÇÃO HISTÓRICA por considerar publicações caras e por não terem qualidade e nunca comprei TEX PLATINUM. Com referi são demasiadas publicações e, à semelhança da grande maioria dos colecionadores, não tenho poder aquisitivo para adquirir tudo o que é publicado pelo que, tenho de fazer opções.

Nota 4: Não sou a favor do cancelamento se a coleção dá prejuízo! Sou a favor do cancelamento se a coleção dá prejuízo, reiteradamente, ao longo de um largo período e sem perspetivas de viabilidade.

REFERENCIAS:



[1] Num comentário ao POST “UM ANO BOMBÁSTICO” DVL coloca a hipótese de continuar a coleção futuramente.
[2] TEX E OS AVENTUREIROS, dos 6 numeros previstos, como resultado das baixas vendas, o sexto numero já foi publicada no “formatinho”. TEX EM CORES, a publicação foi interrompida por diversas vezes sendo o ultimo numero o 34. CASSIDY&DEMIEN que inclui duas minisséries dos dois personagens, de 18 volumes cada, foi cancelada no numero 5.
[3] Dylan Dog teve 40 edições regulares publicadas pela Mythos entre julho de 2002 e dezembro de 2005. Martin Mystière teve 42 edições pela Mythos e foi publicado entre agosto de 2002 e janeiro de 2006. A coleção NICK RAIDER da Mythos teve apenas 16 números publicados entre agosto de 2002 e fevereiro de 2004. Nathan Never é o único personagem dos 4 anunciados que nunca teve coleção própria na Mythos, teve apenas uma história curta publicada no TEX E OS AVENTUREIROS Nº1.
[4] Nathan Never e Nick Raider já tinham sido cancelados aquando do lançamento de Júlia.
[5] DYLAN DOG e MARTIN MYSTIERE têm o lançamento previsto para março e os seguintes números para abril, julho e setembro. NICK RAIDER e NATHAN NEVER prevê-se a estreia em maio, com os números seguintes a serem publicados, respetivamente, em junho, agosto e outubro. Pelas datas de publicação não é possível identificar a periodicidade, no entanto, se as coleções tiverem continuação após os 4 números previstos para 2018, aparentam ser bimestrais.
[6] TEX E OS AVENTUREIROS, TEX EM CORES E DEMIEN E CASSIDY são 3 exemplos de publicações que foram canceladas devido ao baixo volume de vendas.
[7] Comentário de Jean César Vasconcelos
[8] Comentário de Jessé Bicodepena
[9] Comentário de Everton Junior Pelisson
[10] Comentário de Rouxinol do Rinaré
[11] Comentário de Jorge de Carvalho
[12] Comentário de Paulinho
[13] Comentário de Lupercio Brambilla
[14] Comentário de Walber Feijó
[15] Comentário de Nei Campos
[16] No texto intitulado "O limite da tolerância" expressei a minha opinião sobre o número excessivo de títulos de Tex existentes nas bancas e prováveis consequências que, felizmente até ao momento, não se verificaram.
[17] No artigo “RECOMEÇAR” procurei demonstrar que a manutenção da coleção OGCT em simultâneo com TEX EM CORES poderia resultar no insucesso de ambas.
[18] Somente Nathan Never não teve uma coleção pela editora Mythos.
[19] A Mythos possui no seu site o registo muito fiável para efetuar uma sondagem: os clientes da loja que efetuam as suas compras diretamente na Mythos. Um simples inquérito enviado para o email dos clientes questionando-os sobre que personagem Bonelli gostariam de ver nas bancas, formato, quantidade de páginas etc. seria uma forma bastante eficaz de recolher a informação para fundamentar a escolha. Como contrapartida para incentivar os clientes a responder oferecer uma revista a enviar em futura compra, (para não ter custos com o envio).

PS: Texto publicado no blogue do Tex em 14 de janeiro de 2018.

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